Do Pó ao Pó


De José Saramago (*1922 - +2010), li obras diversas e constantemente. Não é desses autores que apresentam uma fórmula geral e vão dando a cada novo livro uma roupagem diferente, com novo contexto. Ele foi todo novo e intenso, cada vez.
Li coisas curiosas, como 'Todos os Nomes', letras angustiantes, como 'Ensaio Sobre a Cegueira', polêmicas, como 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo' e talvez o mais interessante e poético, 'As Intermitências da Morte'. Entretanto, nada me comoveu com tamanha intensidade quanto o prefácio que ele escreve em 1997, para o livro Terra, fotografias de Sebastião Salgado e um cd encartado, com canções de Chico Buarque. O contexto do livro é mais do que conhecido, a relação do homem, trabalhador, com a terra, e sua expropriação de seu próprio chão, quase uma metáfora revisitada da bíblia cristã.
Colocarei apenas este trecho e sugiro que pesquisem-no na íntegra, na página de onde tirei, ou de outra que melhor lhes aprouver:
http://www.mst.org.br/node/10125

"Oxalá não venha nunca à sublime cabeça de Deus a idéia de viajar um dia a estas paragens para certificar-se de que as pessoas que por aqui mal vivem, e pior vão morrendo, estão a cumprir de modo satisfatório o castigo que por ele foi aplicado, no começo do mundo, ao nosso primeiro pai e à nossa primeira mãe, os quais, pela simples e honesta curiosidade de quererem saber a razão por que tinham sido feitos, foram sentenciados, ela, a parir com esforço e dor, ele, a ganhar o pão da família com o suor do seu rosto, tendo como destino final a mesma terra donde, por um capricho divino, haviam sido tirados, pó que foi pó, e pó tornará a ser. Dos dois criminosos, digamo-lo já, quem veio a suportar a carga pior foi ela e as que depois dela vieram, pois tendo de sofrer e suar tanto para parir, conforme havia sido determinado pela sempre misericordiosa vontade de Deus, tiveram também de suar e sofrer trabalhando ao lado dos seus homens, tiveram também de esforçar-se o mesmo ou mais do que eles, que a vida, durante muitos milénios, não estava para a senhora ficar em casa, de perna estendida, qual rainha das abelhas, sem outra obrigação que a de desovar de tempos a tempos, não fosse ficar o mundo deserto e depois não ter Deus em quem mandar."
A fotografia do homem à margem do Rio Tejo, fí-la no ano 2000, e integrou a Exposição 'Duas Margens', no ano seguinte.

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