A Pesca Artesanal na Praia do Campeche







"Malha de Imagens da Pesca" é o título da Mostra que farei na Unicamp, neste mês de julho. É porque vejo o universo da pesca artesanal como uma malha complexa, feita de espaços e esperas, lanços que fogem ao alcance das vistas comuns.
Quando cheguei no Campeche, desejava fazer um estudo visual, talvez curto, até, de uma comunidade típica, e busquei raízes: a mesma pesca da tainha daqui, a pesca de arrastão, eu via quando criança na cidade onde nasci: Rio Grande. Comecei seguindo os conselhos dos meus Mestres: Etienne Samain, Fábio Fantazzini, Zé Sabino: fui discreta, quase invisível, e fui aprendendo a ser uma figura que não perturbasse. E é difícil! Meus movimentos, minha curiosidade, minhas necessidades, minha feminilidade, tudo, tive que adaptar ao mundo masculino e cheio de regras morais da pesca com a canoa a remo.
Valeu a pena. Aprendi um pouco dos códigos, das crenças, da fé e da maneira de proceder, não só dos homens da pesca, suas esposas, suas famílias, mas também da comunidade e até da cidade. Tudo tão diferente... Fiquei procurando nas intersecções da malha da pesca o que nos une, o que é comum a todos nós humanos. E bem lá no meio, de alguma forma, me reencontrei.
Três anos após o início do meu trabalho, fui convidada a sair na canoa, o que, se por um lado contrariava os costumes (mulheres não saem no barco por não terem utilidade lá, e porque os homens não desejam - desejam preservar seu ambiente masculino, e fizeram disto uma crendice: Mulher na pesca dá azar. E tantas outras... ), por outro, era uma honra. Se saí na canoa centenária, era porque o mestre Getúlio, o patrão de rede, da pesca, assim determinou. E ninguém vai contra a vontade do Mestre.
O mestre da pesca assim determinou porque percebe que a rica tradição da pesca artesanal vem sendo ameaçada de extinção, com o crescimento da pesca em escala industrial e aprimoramento dos aparelhos de pesca. Então, como já tinha cursado segundo grau, este mestre, Getúlio Manoel Inácio, cursou faculdade à distância: Pedagogia! Desejava aprender maneiras eficazes de ensinar aos mais novos a pesca.
Nesta trama, nesta malha, estava eu, que fotografava e expunha; a televisão, o jornal e o rádio divulgavam (fiz quatro exposições do material dos outros anos) e o Mestre considerou que eu poderia ter as fotos que ninguém tinha: feitas a partir da canoa em direção à praia, o que só poderia acontecer se eu estivesse embarcada! Na verdade, foi uma pesca para turistas verem, e havia um pequeno cardume de 200 outros peixes, acho que eram tainhas facão, e foram apanhados. Até então, a única mulher a sair na canoa tinha sido uma irmã de Getúlio, há 30 anos. Perguntei como se deu, e ele me respondeu: "Ela queria muito. E aí todos aceitaram, pois fora por imposição de Papai".
A magia que domina a atividade da pesca é indescritível, e nem em todo meu acervo (cerca de 4000 fotos) e muito menos nestas que agora levo a Unicamp, poderia dar a entender o que seja um 'lanço' (lance de pesca). Quando os homens vão remando ao mar, obcecados por cercar o cardume (que também se chama 'malha'!), e a 'puxada' ou 'arrastão', que reúne toda a comunidade masculina, e depois o 'quinhão', a partilha dos peixes (divididos pelo mestre, que é o dono da 'parelha de pesca', pelo patrão do barco, que pode ser ele mesmo ou outro por sua confiança designado, remadores, mais os que puxam a rede (destes últimos, cada um pode levar uma ou duas tainhas de acordo com o montante total) e finalmente a comunidade, as pessoas mais pobres, etc. É uma aula. Uma aula que compareci em madrugadas frias e entardeceres de fogo, em dias de Sul soprando bravos, de frios gelando até os ossos. Especialmente em dias de mar ameno, manhãs, tardes, de aparente ócio...
Mas tem valido a pena, nenhum diploma, mas uma sensação de leveza e de plenitude, e uma ansiedade que me invade mal começa o mês de maio.
Se me alongo ao contar estas histórias, é porque a paixão é algo que se derrete e não conseguimos conter. Não sei onde guardo alguma racionalidade quando os homens acenam panos brancos do alto das dunas, anunciando a visão de um grande cardume...
E lá se vão 2, 3, 4 mil peixes para as panelas... Em tempos antigos, maio e junho eram os meses dos casamentos por aqui, era um dinheiro extra na vida dos pescadores por subsistência...
A História de Seu Déca, a história do Canal das Bruxas e de como elas me tomaram as imagens recém feitas... Conto em outra feita. E é tudo verdade.

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